O objetivo deste blog é divulgar toda a minha produção poética, sem prejuízo de continuar a ser postada também no Portal de Poesia Rodolfo Pamplona Filho (www.rodolfopamplonafilho.blogspot.com).
A diferença é que, lá, são publicados também textos alheios, em uma interação e comunhão poética, enquanto, aqui, serão divulgados somente textos poéticos (em prosa ou verso) de minha autoria, facilitando o conhecimento da minha reflexão...
Espero que gostem da iniciativa...

terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

O Remédio Amargo

 




Pode chegar um momento em suas vidas

Em que a Paixão se torna amizade,

para depois virar educação;

em que Tom Jobim e Vinícius de Moraes viram Kid Abelha,

em que o “Eu sei que vou te amar”

vira “o nosso amor se transformou em bom dia”;

em que a sua identidade de amante

é convertida em ser pai ou mãe de alguém...


Pode chegar um momento em suas vidas

em que o sexo se torna burocrático,

como um ponto a ser batido

ou um dever a ser agendado;

em que qualquer coisa é motivo para dizer não,

como se precisasse de algo para dizer não...

ou quando o “não quero”, “não pode”, “não faço”, “não vou”

se tornam mais comuns do que o “eu te amo”...


Pode chegar um momento em suas vidas,

em que não há mais gota d’água a esperar,

pois o cálice já transbordou há muito;

em que o silêncio é menos constrangedor

do que ouvir a voz do ente antes amado,

em que a ansiedade de conhecer o outro

é substituída pelo marasmo absurdo

da convivência com falta de assunto...


Pode chegar um momento em suas vidas

em que o resgate dos sentimentos de outrora

é visto como uma chatice ou perda de tempo;

em que as lembranças de momentos felizes

são vistas como um “mico” de um passado distante

em que a tentativa de diálogo é interrompida

por um bocejo ou por um olhar no infinito;

em que se percebe que o desrespeito tem perdão,

mas a monotonia não tem solução...


Pode chegar um momento em suas vidas,

em que se discute compatibilização de horários,

como se o que se tornou um já tivesse desvirado;

em que o trabalho dá prazer e o prazer dá trabalho,

onde o stress é preferível à companhia do outro;

em que vale pena se submeter voluntariamente

a um instrumento de tortura medieval,

em que passar a vida esperando a morte não soa assim tão mal...


Pode chegar um momento em suas vidas,

em que a promessa não consegue mais prevalecer;

em que a experiência derrota a esperança;

em que não faz mais sentido permanecer...

em que não há mais nada a fazer,

senão tomar o remédio amargo,

na agonia que o veneno feche e cicatrize a ferida,

em vez de provavelmente matar o paciente.


Rio de Janeiro, 24 de abril de 2010

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